sábado, 21 de maio de 2011

Recife e Rio: causas distintas e dramas iguais

Um dos principais vilões é o corte vertical da barreira, que tira a estabilidade da colina. O corte é feito para se criar terreno, onde são construídas as casas

Córrego do Sargento (Recife/PE), 05 mortos - junho de 2010
Relevo mais suave, colinas mais arredondadas e estáveis fazem toda a diferença quando se comparam os morros da Região Metropolitana do Recife com as serras do Rio de Janeiro. Composta de pedras cobertas por sedimentos, com relevo mais agudo e instáveis, a região serrana carioca está mais sujeita a deslizamentos.
“É a natureza buscando seu equilíbrio, num processo natural”, diz a geóloga Margareth Alheiros, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O deslizamento das montanhas no Rio de Janeiro diz ela, é um evento geológico, que aconteceria de todo jeito, com ou sem casas construídas no lugar. “O evento geológico só vira desastre quando há moradia no caminho, em áreas inadequadas”, explica.
Os morros do Grande Recife, por sua vez, são considerados maduros. Isso significa que a colina já caiu o que tinha de cair, no processo natural. Sendo assim, a água de chuva bate, escorre e não tem mais o que arrastar. Então, por quê as barreiras continuam desabando na região metropolitana? “Nesse caso não é mais um processo natural, é a forma de ocupação inadequada dos morros. Aqui, se morre por causa disso”, responde a professora.
Um dos principais vilões é o corte vertical da barreira, que tira a estabilidade da colina. O corte é feito para se criar terreno, onde são construídas as casas. A distância entre a moradia e a colina é outro problema. “Numa barreira de três metros de altura, por exemplo, a casa deveria ficar a três metros de distância do pé do morro. Numa queda de barreira, o imóvel não seria atingido”, comenta Margareth Alheiros.
Ela sugere a criação de regras para ocupação das colinas, como acontece com a parte plana da cidade. “Morro é terra de ninguém. É preciso uma política de ocupação do solo, que depois seja transformada numa lei focada na redução de riscos.” Também propõe uma força-tarefa para realização de planos de contingência, envolvendo universidades e governos.
Nas áreas planas, ocupações irregulares das margens dos rios e o crescimento das cidades, com impermeabilização do solo são os principais responsáveis pelas inundações. Além de tirar as famílias ribeirinhas e implantar no local equipamentos públicos de lazer, a engenheira e especialista em recursos hídricos Susana Montenegro, professora da UFPE, faz outras recomendações.
“Não há uma solução única para o controle das enchentes urbanas. São necessárias barragens de contenção de cheias, uso de pavimento permeável nas ruas e criar reservatórios de detenção, que acumulam água e liberam lentamente para o sistema convencional de drenagem”, diz Susana, diretora de Regulação e Monitoramento da Agência Pernambucana de Águas e Climas.
Segundo ela, estão em andamento projetos para dragagem (retirada do excesso de areia) do Bacia do Rio Beberibe, com recuperação das margens, e de revitalização da Bacia do Rio Capibaribe, com saneamento, dragagem e tratamento das margens.

São quase 150 mil pessoas morando ao lado do perigo
Nada menos que 149.792 pessoas ocupam áreas de risco nos morros de apenas três cidades da Região Metropolitana do Recife: Olinda, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes. É como se a população inteira de Vitória de Santo Antão, interior de Pernambuco, vivesse à beira do perigo, com suas casas penduradas em barreiras. A Defesa Civil da capital não informou a quantidade de pessoas que habitam pontos de risco. Acompanhar pela televisão os desastres na região serrana do Rio de Janeiro, onde morreram mais de 700 pessoas, é um tormento para as famílias residentes nas encostas do Grande Recife.
“Fiquei em pânico quando vi as notícias do Rio de Janeiro”, diz Rosemere Nobre de Lima, 44 anos, moradora do Córrego do Sargento, na Linha do Tiro, Zona Norte do Recife. “Lembrei da barreira que desabou aqui, ano passado, e matou cinco pessoas numa casa só.” Ela vive com o marido e quatro filhos num dos 3 mil pontos de risco mapeados nos morros da cidade.
De acordo com Rosemere, a casa que ela ocupa foi condenada pela Defesa Civil. A família recebeu orientação para abandonar o lugar nos dias de chuva. “Eu não saio, mas mando os meninos para a casa da avó. Vai chegar outro inverno e a prefeitura não tem solução definitiva”, lamenta.
Ela não trabalha e o marido faz bicos. O casal sustenta as crianças com R$ 134 do Bolsa Família, complementados pelo biscate. “Não queria dinheiro do auxílio-moradia. É melhor ser transferida para outro canto. Minha irmã vivia numa casa que foi derrubada pela prefeitura, ao lado da minha, e está no auxílio há anos.”
Suely Nobre, a irmã de Rosemere, recebe R$ 151 da Prefeitura do Recife, para ajudar no aluguel de outro imóvel, há dez anos. “O valor é o mesmo desde o primeiro pagamento. Naquela época eu conseguia casa por R$ 150 na Linha do Tiro, onde moro. Hoje, não tem nenhuma por menos de R$ 300 no bairro. Fui obrigada a me mudar cinco vezes nesses dez anos, por causa do preço do aluguel”, diz ela.
Em Camaragibe, moradores dos morros também ficaram apreensivos com os desastres no Rio. “Se aconteceu lá, pode acontecer aqui”, diz Eline Rodrigues, 35, do Córrego da Andorinha, no bairro de Tabatinga. Ela sonha com um lugar mais seguro para criar os dois filhos pequenos.
O medo de um desabamento de barreira é constante na família, porque a parte de trás da casa fica quase rente com a encosta. “Fazer o quê, não temos escolha. Mas o lugar é bom porque dispõe de comércio, padaria, farmácia, mercadinho e ônibus”, diz Ednaldo Santiago, 47, marido de Eline.
Quarta-feira passada, a Defesa Civil cobria as encostas mais perigosas com lonas plásticas. “É importante porque a água não entra na barreira, mas o muro de arrimo é mais seguro”, comenta Eline, que ocupa uma das encostas inseguras.
No mesmo córrego, Elizete Lourenço da Silva, 58, aponta o perigo no cano que sai de uma moradia e joga água direto na barreira e nos três postes com contadores de luz fincados pela Celpe no pé da barreira. A casa dela fica na ponta de uma encosta. “Pedi para não colocarem os postes nesse lugar, mas fui ignorada”, observa.
Moradora de Jardim Jordão, em Jaboatão, Rejane Lurdes da Silva, 36, teme pela barreira onde vive há oito anos. “Está cedendo perto da base, é um perigo”, alerta.
A Defesa Civil de Camaragibe identificou 34.992 pessoas em áreas de risco, das quais cerca de cinco mil convivem com riscos muito alto e alto. Oitenta por cento do relevo da cidade é formado por morros. Jaboatão tem 14.800 pessoas em áreas de risco, sendo 7.800 ameaçadas por acidentes. A Defesa Civil do município retirou 1.325 famílias desses lugares em 2010.
Na cidade de Olinda, há 200 mil pessoas (quase metade da população) em áreas de risco dos morros. Cerca de cem mil encontram-se em lugares de risco muito alto e alto para desabamento de barreira. Os morros do Recife abrigam 450 mil pessoas, mas nem todas em pontos de risco.

Fonte: Jornal do Commercio

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